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Bacen regulamenta fintechs de crédito

Por Vitor de Menezes Venancio Martins e Luiz Antonio Varela Donelli

Em 26 de abril de 2018 foi publicada pelo Banco Central do Brasil (“BACEN”) a Resolução n. 4.656/18[1] do Conselho Monetário Nacional (“CMN”) que regula a sociedade de crédito direto (“SCD”) e a sociedade de empréstimo entre pessoas (“SEP”), disciplinando a realização de operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas físicas e jurídicas, quando essas operações ocorrerem por meio de plataforma eletrônica[2] (“Resolução”).

Diante da nova regulação, ao contrário do que ocorreu no passado[3], as operações de empréstimos e financiamento por meio de plataformas eletrônicas passam a ser reguladas e autorizadas nos termos da Resolução e demais normas relacionadas. Assim, a edição da Resolução vai ao encontro dos esforços realizados pelo BACEN em (i) aumentar a competição no Sistema Financeiro Nacional ao reduzir as barreiras de entrada, (ii) fomentar o mercado de crédito, (iii) diminuir os juros, taxas e tarifas administrativas e, com isso, tornar o sistema mais eficiente.

Ainda, a Resolução determina que as fintechs, nos limites nela previstos, não dependerão mais de parcerias com instituições financeiras tradicionais para exercerem suas atividades e, por esta razão, deixem uma posição tímida e dependente (como no caso de correspondente bancário[4]), para assumir uma posição de liderança e liberdade no exercício de suas atividades, respeitados obviamente os limites legalmente permitidos.

O exercício das atividades, conforme descrito na Resolução, necessita de autorização prévia do BACEN mediante o cumprimento das obrigações nela estabelecida.

Apesar dos esforços do BACEN, a experiência estrangeira tem demonstrado que apesar das fintechs de crédito serem importantes ferramentas para propagação de novas alternativas de financiamento à sociedade, ela vem se mostrando ainda muito tímida. Em artigo de Alistair Milne e Paul Parboteeah, publicado pela European Credit Research Institute em maio de 2016[5], os autores, entre outras questões, demonstram que esse tipo de modalidade de empréstimo (P2P lending) ainda é muito tímido ao ser comparado com as atividades de grandes bancos, de modo que os empréstimos realizados por fintechs de créditos, por meio de P2P lending, ainda não representam 1% do total do estoque de empréstimos ofertados no mercado, mas vem mostrando ser uma importante alternativa de financiamento para pequenas empresas que não tenham acesso aos grandes bancos.

A Resolução regulamenta e esclarece alguns pontos relevantes para as operações da SCD e SEP, abaixo detalhados em forma de perguntas e respostas:

Quais as regras para constituição e funcionamento das instituições financeiras qualificadas como SCD e SEP?

 As SCD e SEP deverão ser constituídas sob a forma de sociedade anônima e deverão observar permanentemente o limite mínimo de R$1.000.000,00 (um milhão de reais) em relação ao capital social[6] integralizado e ao patrimônio líquido. A denominação da SCD e SEP deverá ser acrescentado a expressão “Sociedade de Crédito Direto” e “Sociedade de Empréstimo entre Pessoas”, respectivamente. Por se tratarem de instituições financeiras, a SCD e a SEP deverão respeitar as demais regras atinentes às instituições financeiras, conforme aplicável.

Cumpridas as exigências acima, bem como as demais exigidas pela legislação em vigor, no que se refere às instituições financeiras o BACEN autorizará (veja abaixo – processo de autorização) o funcionamento da SCD e/ou SEP, conforme o caso. Caso o BACEN entenda ser necessário, poderá exigir dos acionistas da instituição financeira (SCD e SEP), entre outras obrigações, a assinatura de acordo de acionistas para definição do grupo de controle.

Quais as atividades exercidas pela SCD?

A SCD realiza operações de empréstimo, de financiamento e de aquisição de direitos creditórios exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, com utilização de recursos financeiros que tenham como única origem capital próprio (as SCDs não poderão se financiar pela emissão de debêntures, notas promissórias, etc.).

No exercício de suas atividades a SCD deverá selecionar potenciais clientes com base em critérios consistentes, verificáveis e transparentes, contemplando aspectos relevantes para avaliação do risco de crédito, como situação econômico-financeira, grau de endividamento, capacidade de geração de resultados ou de fluxos de caixa, pontualidade e atrasos nos pagamentos, setor de atividade econômica e limite de crédito.

Quais as atividades exercidas pela SEP?

 A SEP realiza operações de empréstimo e de financiamento entre pessoas[7] exclusivamente por meio de plataforma eletrônica, ou seja, serão realizadas operações de intermediação financeira em que recursos financeiros coletados dos

credores serão direcionados aos devedores, após negociação em plataforma eletrônica. São as tradicionalmente denominadas de P2P lending.

As operações detalhadas deverão ser realizadas sem retenção de risco de crédito, direta ou indiretamente, por parte da SEP e de empresas controladas ou coligadas, devendo ser observado o seguinte procedimento: (i) manifestação inequívoca de vontade dos potenciais credores e devedores, em plataforma eletrônica, de contratarem a operação de empréstimo e de financiamento; (ii) disponibilização dos recursos à SEP pelos credores; (iii) emissão ou celebração, com os devedores do instrumento representativo do crédito; (iv) emissão ou celebração com os credores de instrumento vinculado ao instrumento mencionado no item III; e (v) transferência dos recursos aos devedores pela SEP.

Os instrumentos representativos de créditos (conforme itens (iii) e (iv), detalhados no parágrafo acima, serão: (i) emitidos pela SEP ou em favor desta; ou (ii) celebrados tendo a SEP como parte.

Referidos instrumentos deverão conter cláusulas prevendo, no mínimo: (i) as condições da operação de empréstimo e de financiamento contratada, inclusive a taxa de retorno esperada pactuada com o credor; (ii) os deveres e os direitos dos credores, dos devedores e da SEP; (iii) a indicação de que a SEP não se coobriga e não presta qualquer tipo de garantia na operação; (iv) a vinculação entre os recursos disponibilizados pelos credores à SEP e a correspondente operação de crédito com o devedor; (v) a subordinação da exigibilidade dos recursos disponibilizados pelos credores à SEP ao fluxo de pagamento da correspondente operação de crédito; (vi) as informações sobre eventuais garantias prestadas; (vii) as condições de transferência de recursos aos credores[8]; (viii) a condição de que a eficácia do instrumento esteja vinculada à transferência de recursos aos devedores; e (ix) a manifestação de ciência dos credores em relação aos riscos da operação de empréstimo e de financiamento.

A SCD e a SEP podem prestar outros serviços, além daqueles detalhados acima?

A SCD e a SEP poderão, ainda, prestar os seguintes serviços: (i) análise de crédito para clientes e terceiros (a SCD somente para terceiros); (ii) cobrança de crédito de clientes e terceiros (a SCD somente para terceiros); (iii) atuação como representante de seguros na distribuição de seguro relacionado com as operações descritas acima, nos termos da regulamentação do CNSP; e (iv) emissão de moeda eletrônica[9], nos termos da regulamentação em vigor.

Quem são os credores no âmbito da Resolução?

No âmbito da Resolução, são credores: (i) pessoas naturais; (ii) instituições financeiras (inclusive as SCD); (iii) fundos de investimento em direitos creditórios, cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados[10]; (iv) companhias securitizadoras que distribuam os ativos securitizados exclusivamente a investidores qualificados; ou (v) pessoas jurídicas não financeiras, exceto companhias securitizadoras que não se enquadrem na hipótese do item (iv).

Nos termos da Resolução, um mesmo credor não pode contratar com um mesmo devedor, na mesma SEP, operações cujo valor nominal ultrapasse o limite máximo de R$15.000,00 (quinze mil reais). Assim, a SEP deverá manter controle dos valores emprestados por cada credor, limitando ao montante de R$ 15.000,00 (quinze mil reais).

Quem são os devedores no âmbito da Resolução?

No âmbito da Resolução, são devedores: as pessoas naturais ou jurídicas, residentes e domiciliadas no Brasil.

Quais as formas autorizadas, no âmbito da Resolução, para a SCD e para SEP captarem recursos de terceiros?

A SCD poderá utilizar-se das seguintes formas de captação de recursos: capital próprio, emissão de suas próprias ações. Outra alternativa para a SCD captar recursos de terceiros é pela aquisição e posterior venda e/ou cessão de crédito exclusivamente para (i) instituições financeiras; (ii) fundos de investimento em direitos creditórios cujas cotas sejam destinadas exclusivamente a investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários; ou (iii) companhias securitizadoras que distribuam os ativos securitizados exclusivamente a investidores qualificados, conforme definição da regulamentação da Comissão de Valores Mobiliários.

A SEP poderá apenas intermediar as operações de crédito, não podendo captar recursos de terceiros para financiar as operações que são por ela intermediadas.

Quais as vedações que a SCD e a SEP estão sujeitas?

É vedado à SCD: (i) captar recursos do público, exceto mediante emissão de ações; e (ii) participar do capital de instituições financeiras.

É vedado à SEP: (i) realizar operações de empréstimo e de financiamento com recursos próprios; (ii) participar do capital de instituições financeiras; (iii) coobrigar-se ou prestar qualquer tipo de garantia nas operações de empréstimo e de financiamento, exceto a aquisição, direta ou indiretamente, por parte da SEP e de empresas controladas ou coligadas, de cotas subordinadas de fundos de investimento em direitos creditórios que invistam exclusivamente em direitos creditórios derivados das operações realizadas pela própria SEP, desde que essa aquisição represente, no máximo, 5% (cinco por cento) do patrimônio do fundo e não configure assunção ou retenção substancial de riscos e benefícios, nos termos da regulamentação em vigor.

 

[1]http://www.bcb.gov.br/pre/normativos/busca/downloadNormativo.asp?arquivo=/Lists/Normativos/Attachments/50579/Res_4656_v1_O.pdf

[2] Plataforma Eletrônica, no âmbito da Resolução, são sistemas eletrônicos que conectam credores e devedores por meio de sítio na internet ou de aplicativo.

[3] Caso Fairplace (http://www1.folha.uol.com.br/mercado/861031-pf-investiga-fairplace-site-de-emprestimos-entre-pessoas.shtml) (https://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/47193/noticia.htm?sequence=1)

[4] Regras Relativas à Correspondente Bancário

[5] https://www.ceps.eu/system/files/ECRI%20RR17%20P2P%20Lending.pdf

[6] Verificar a Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964, no que se refere às regras relativas à integralização de capital social de instituição financeira.

[7] São consideradas pessoas: as pessoas físicas e as pessoas jurídicas.

[8] Verificar Art. 13 e ss. da Resolução.

[9] Nos termos da Lei 12.865, de 9.10.2013, moeda eletrônica corresponde aos recursos armazenados em dispositivo ou sistema eletrônico que permitem ao usuário final efetuar transação de pagamento

[10] ICVM 554/14: “Art. 9o-B São considerados investidores qualificados: I – investidores profissionais; II – pessoas naturais ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais) e que, adicionalmente, atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo próprio, de acordo com o Anexo 9-B;  III – as pessoas naturais que tenham sido aprovadas em exames de qualificação técnica ou possuam certificações aprovadas pela CVM como requisitos para o registro de agentes autônomos de investimento, administradores de carteira, analistas e consultores de valores mobiliários, em relação a seus recursos próprios; e IV – clubes de investimento, desde que tenham a carteira gerida por um ou mais cotistas, que sejam investidores qualificados.”

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