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Teoria do fato do príncipe e contratos de trabalho

Por Paula Corina Santone

Nos últimos dias, muito se tem discutido acerca da responsabilidade pelo pagamento da indenização e verbas rescisórias devidas aos trabalhadores que foram impedidos de trabalhar ou até dispensados em razão da paralisação de atividades consideradas não essenciais por determinação de governos estaduais e municipais que restringiram o funcionamento do comércio, bares e restaurantes, por exemplo.

Nesta sexta-feira (27/03/2020), aliás, o Presidente da República, ao deixar o Palácio da Alvorada, declarou que os prefeitos e governadores que decretaram o fechamento do comércio por conta da pandemia decorrente do coronavírus terão que arcar com a indenização devida aos trabalhadores pela paralisação, em referência ao dispositivo legal da CLT que prevê o fato do príncipe.

O artigo 486 da Consolidação das Leis do Trabalho determina que, no caso de paralisação temporária ou definitiva do trabalho, motivada por ato de autoridade municipal, estadual ou federal, ou pela promulgação de lei ou resolução que impossibilite a continuação da atividade, prevalecerá o pagamento da indenização, que ficará a cargo do governo responsável.

Contudo, a aplicação do artigo 486 da CLT para responsabilizar governos estaduais e prefeituras pelos prejuízos causados aos empresários em relação aos seus empregados por conta dos decretos de quarentena e fechamento de serviços que não são essenciais é extremamente controversa e de difícil aplicação no contexto atual.

De fato, estamos diante de um cenário mundial de calamidade púbica e, nesse sentido, parece não ser possível considerar que o fechamento temporário de estabelecimentos e de alguns setores da economia representa um ato discricionário da administração pública.

Ademais, os decretos não proíbem ou impedem de forma absoluta a continuidade do trabalho, uma vez que o comércio, por exemplo, não pode manter as portas abertas ao público, mas pode realizar suas vendas pela internet. Da mesma forma, os restaurantes e bares que têm garantido o serviço de entrega conhecido como delivery.

Ou seja, a continuidade do trabalho e dos serviços se torna mais difícil e talvez até mais onerosa, mas os decretos não determinam necessariamente há uma paralisação absoluta das atividades e, nesse sentido, não haveria que se falar em fato do príncipe.

Não se pode esquecer também que o próprio Governo Federal publicou a medida provisória MP 927/2020 que contempla uma série de ações de natureza trabalhista e mecanismos alternativos de flexibilização temporária da legislação para que os empresários possam dar continuidade às suas atividades e propiciar a preservação dos empregos, tais como antecipação de férias individuais, mediante diferimento do pagamento do terço constitucional, aproveitamento e antecipação de feriados, suspensão de exigências administrativas em matéria relativa à segurança e saúde no trabalho, diferimento do recolhimento do FGTS, além de outras que provavelmente serão objeto de nova medida provisória como, por exemplo, suspensão dos contrato de trabalho com aproveitamento de seguro desemprego, redução de salários e jornadas de trabalho.

Nesse contexto entendemos que será extremamente difícil e controversa a aplicação do artigo 486 da CLT à atual situação decorrente das medidas adotadas por governadores e prefeitos em relação a serviços não essenciais e suas repercussões nas relações de trabalho.

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